segunda-feira, 3 de março de 2014

A Desgraça e o Soldado dos Sibillas Italianos. Ou: Uma homenagem ao Ramon.

Neste Sibilla, o Fogo se faz presente na Desgraça, incendiando
o navio, e o Soldado, ainda que armado, descansa. 
Abordaremos outros pontos, aqui.


Olá pessoal. Faz muito tempo que não falo sobre o Sibilla por aqui, mas não é por falta de estudo não. Contudo, uma conversa que tive com meu amigo Ramon iluminou esse tema, entremeando duas cartas. Não é da minha natureza buscar significados iluminados para cartas difíceis - é mais fácil encarar a dificuldade de maneira realista e meditar sobre depois do que durante - mas, por outro lado, quando consigo encontrar esses lampejos de luz na escuridão, acho justo agregá-los ao significado aplicável da carta.
As cartas escolhidas para o texto de hoje correspondem ao sete de Espadas (a Desgraça) e ao dez de Espadas (Militar). Naipe de Espadas, na Cartomancia, raramente apresenta situações palatáveis, e é disso que falaremos, a priori. O fato de não serem palatáveis não as torna menos importantes. Ainda que amemos encontrar no oráculo referências agradáveis e alívio para as nossas preocupações, a função principal do oracular transcende o nosso conforto pessoal. A ideia principal é orientar, direcionar, preparar, antever, precaver, antecipar e, por isso tudo, encarar de forma mais consciente o que nos pegaria de surpresa. Por isso um naipe tão importante, e por isso meu posicionamento em não suavizá-lo demais. Prefiro um bom aviso, bem dado, que um mau conselho. Alguém discorda?
A carta da Desgraça acompanha bem, dadas as devidas proporções, a carta da Torre, do Tarô. Sobretudo por uma perspectiva iconográfica, temos a representação de uma construção sendo incendiada. No primeiro caso, o incêndio já ocorreu, e os Bombeiros estão efetuando seu trabalho. No segundo, capta-se o exato momento da descida do raio. 
Em ambos os casos, uma surpresa.
Sugiro, para ilustrar melhor meu posicionamento a respeito desse evento, a leitura deste texto aqui, que escrevi para o Clube do Tarô. Como disse, dadas as devidas proporções, em termos simbólicos podemos aproveitar algo dele nessa conversa. Na verdade, isso já abre espaço até para outra reflexão, em que temos que colocar lado a lado o que é o símbolo e o que é a estrutura que norteia a leitura desse símbolo - um tema para uma outra conversa, em momento conveniente.

Mas comecemos do que motivou essa postagem.


Um amigo meu, o Ramon, passou no concurso para o Corpo de Bombeiros. Está, nesse momento, em treinamento. Desde que eu o conheço, ele é a própria definição do Soldado: compenetrado com seus planos, compromissado com seus deveres, disciplinado com seus objetivos. Um exemplo para mim [que sou tão bagunceiro, rs].
Esses dias, conversávamos pelo Facebook, e ele me contava da sua rotina no quartel. Uma rotina, como o esperado, rígida, mas previsível. Todo o processo de treinamento visa a obtenção dos predicados para o enfrentamento da realidade. O Ramon vai salvar vidas. Deve, portanto, estar pronto para isso, física e psicologicamente. É um processo árduo de lapidação do corpo e da mente, que visa, sobretudo, estar pronto para o inesperado, porque, convenhamos, salvar vidas inclui colocar a sua própria em risco.

Uma das edições do Arte da Guerra.
Só eu que me encantei pela ideia de
um livro de bambu?

Eu acredito que muito do interesse pelos samurais e pelo código samurai que tenho visto recentemente, assim como a reinterpretação para o mundo dos negócios d'A Arte da Guerra, de Sun Tzu, tem a ver com a nossa falta de preparo para a dificuldade, uma arte que demanda um certo tempo para ser apreendida. Porque não somos devidamente treinados na escola - por vezes, observando os rumos que os estudos da área de Educação estão tomando, vejo cada vez menos possibilidade de isso acontecer - já que a Escola deveria ser o primeiro espaço de respeito a uma figura de autoridade que, a priori, não precisaria desenvolver um vínculo de afeto com nenhum dos seus educandos. O professor. Olhando para trás, sim, eu desenvolvi um vínculo forte com MUITOS dos meus professores, e isso foi muito importante para mim, como pessoa. Mas houveram aqueles com os quais não houve vínculo. E eles executaram muito bem o seu trabalho, independentemente de eu gostar ou não deles. Minha única consideração em relação a eles, nesse caso, era o respeito à sua posição e hierarquia.
Não aprendendo a lidar com a hierarquia na escola, temos de lidar de forma um pouco mais dura com ela na vida, aonde a competição não permite justificativas. Uma das frases mais dolorosas que ouvi foi de um professor, que, ao justificar o número de evasões de um dos cursos que fiz, disse: "esse é um curso de excelência. É saudável que nem todos se vejam levando a cabo esse curso." Foi uma das maiores inspirações para que eu o terminasse - ou desistia, ou finalizava, e manter coisas pela metade não me soa agradável. Agradeço a esse professor, em especial, por ter me apresentado a realidade da situação ao invés de me oferecer conforto emocional.
Mas aqui, no meu caso, era uma questão intelectual, motivacional.
No caso do Soldado, falamos também de preparo físico. 
De pouco adianta toda a motivação do mundo diante de um corpo fraco. Não é de todo negável que seja possível obter resultados pela perseverança, mas não são resultados fáceis e nem imediatos. Enfrentando situações de risco, não se pode contar apenas com a boa vontade. O sofrimento, a dor, o cansaço, a desmotivação, o desespero, tudo isso vem antes. Tudo isso vem no treino. Porque no momento correto, nada disso terá importância. Apenas o objetivo, apenas o dever.


E o dever, no caso do Corpo de Bombeiros - que está ali representado, no canto inferior direito da carta - é ser a força quando a tragédia enfraquece todos ao seu redor. Não é oferecer alento emocional, a priori; é erradicar a situação que gera o desespero. É ser rápido no salvamento e na manutenção da vida com os primeiros socorros. É garantir salvaguarda no momento em que o ambiente não é seguro. 

Aprendi com o Ramon sobre Cartomancia. A primeira lição provém d'O Soldado: o preparo é imprescindível. Existem prerrogativas e hierarquias a serem seguidas. Isso lapida o caráter e o corpo para o combate. Em palavras do próprio Ramon:

O equipamento de trabalho primordial do bombeiro é seu preparo físico. Quando estamos nas alturas, no rapel, seja em cima ou embaixo, dependemos COMPLETAMENTE da força que temos nos braços. Quando uma vítima estiver se afogando, tivermos de pular e dar aquele tiro de alta performance, é BRAÇO forte.

A segunda lição fica implícita. Disciplina garante o preparo para que nada seja tão surpreendente a ponto de não haver uma reação. E, claro, de forma estrutural no jogo, quando a carta da Desgraça sair, ficarei bem atento aos seus derredores para entender se o preparo é suficiente para encará-la.

Parabéns, Ramon. Nós, teus amigos, nos orgulhamos de você. E, particularmente, valeu pela aula de Cartomancia que, sem querer, você me deu. E pelas dez flexões que eu paguei em solidariedade, também.

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