quinta-feira, 3 de março de 2016

Das alegorias e das ilustrações: quando encontramos referências à intenção do ilustrador.

Olá pessoal. Essa postagem está longe de ser definitiva, é apenas uma sinalização de algo que venho percebendo, um tema sobre o qual pretendo me debruçar nos próximos meses mais aprofundadamente. Entretanto, aqui e ali pincelo algumas noções, alguns meandros do que vejo. 
Desde o começo do blog, faço comparações entre a cultura e a cartomancia, sobretudo no que concerne às artes bidimensionais. A pintura e a gravura são, no limite, a mesma técnica usada na construção das imagens de um baralho. Entretanto, quais são as fontes para uma e outra categoria artística? Até onde podemos supor limites e possibilidades para uma e para outra?
Estou longe de me contentar com as respostas que obtive até o momento, e mais longe ainda de oferecer uma contribuição à altura dos meus questionamentos. Nesse ínterim, vou postando coisas que percebo associáveis e, à maneira do livro Conversas Cartomânticas: da escolha do baralho ao encerramento da consulta (breve teremos uma segunda edição, revista e ampliada - aguardem!), um dia terei material suficiente para oferecer em formato de livro.

Estava eu passeando numa galeria com os Emblemas de Alciato, e me deparei com a gravura XXIII, que posto abaixo. Imediatamente me lembrei do cinco de ouros desenvolvido por Arthur Edward Waite e Pamela Collman Smith para seu baralho.   


O texto para o cinco de ouros, traduzido por Cleyde Helena Monteiro Steigleder, diz:

Dois mendigos em uma tempestade de neve passam por um vitral iluminado.Significados divinatórios: a carta traz problemas materiais, sobretudo se na forma ilustrada - ou seja, destituição ou outra coisa. Para alguns cartomantes, é uma carta de amor e namorados - esposa, marido, amigo, amante; também concórdia, afinidades. Essas alternativas não conseguem ser harmonizadas. Invertida: desordem, caos, ruína, discórdia, dissipação.
Embora tenha vários pontos no texto que valem uma discussão sobre a proposta editorial de Waite e a função do texto na criação da imagem - algo que ele deixa claro na introdução do livro - o que pretendo mostrar com essa imagem é, na verdade, como os emblemas de Alciato podem nos auxiliar no entendimento da imagem em si (o que pode ou não concatenar com a proposta de Waite, nosso problema iconográfico por excelência: ao afirmarmos algo para além do texto que acompanha o baralho, estamos concordando ou discordando do autor?
Vejamos a imagem XXIII.


O texto para a imagem diz (tradução livre):
Um homem cego ajuda um homem coxo. O coxo lhe empresta seus olhos. Cada um provém o que o outro não tem.

Perceba que, embora Smith tenha proposto um casal na imagem - talvez uma tentativa de Waite de harmonizar os dois significados apreendidos em sua pesquisa para o livro - a ideia de auxílio mútuo está ali, colocada tal como no emblema.
Muitos questionamentos podem ser feitos, a partir daí.
  • Waite, ou Pamela, tinham conhecimento dos Emblemas de Alciato ou obra equivalente?
  • A ideia proposta era a mesma do Emblema?
  • A ilustração corresponde à ideia do idealizador?
  • Houve algum limite criativo, de caráter material ou simbólico?
  • Podemos adicionar o significado de "ajuda mútua" (o título do emblema) ao conteúdo simbólico do Cinco de Ouros?
  • Seria o Cinco de Ouros a carta mais adequada para associar-se esse significado?
Como eu disse no começo desse texto, não tenho pretensão de propor ou obter uma resposta a curto prazo. Só a possibilidade já me deleita.
Abraços a todos.

Fontes consultadas:

ALCIATO. Liber emblemata. 
WAITE, Arthur Edward. O tarô ilustrado de Waite. trad. Cleyde Helena Monteiro Steigleder. Porto Alegre: Kuarup, 1999.
WAITE, Arthur Edward. Tarô: a sorte pelas cartas. Trad. David Jardim Júnior. Ediouro, s/d. 

4 comentários:

  1. Oi Emanuel, esse é certamente um dos textos mais interessantes que já li por aqui!
    Sempre penso a esse respeito também, principalmente em relação as Sibillas que tem imagens derivadas de outras obras.

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    1. Oi Isadora, muito obrigado!
      Os Sibillas são, por excelência, os melhores baralhos para entendermos esse processo. No momento de sua criação, manuais de alegorias eram reeditados na Europa à profusão - Alciato, aqui citado, Cesare Ripa, entre outros. Vale muito a pena elaborar esse estudo!

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  2. Interessante, vale a pena observar profundamente, parabéns pela iniciativa!

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    1. Eu tenho acompanhado seu trabalho com o Tarô dos Orixás, da Eneida Duarte Gaspar, Augusto. Nesse baralho, nós temos trocas e adaptações simbólicas extremamente ricas, que merecem a sua leitura. Cito como exemplo a laranja na mão de Ossain, que substitui a moeda na mão do Mago do Tarô de Marselha. Vale muito a pena comparar esses dois baralhos, já que um serviu de inspiração para a criação do outro. Abração!

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